Entrevista: Paul McCartney para BBC (22/10/2020)

 



E: Olá, eu sou Matt Everett do BBC6 Music e você está escutando BBC sounds com uma nova e especial entrevista com Paul McCartney. Macca está inesperadamente lançando um novo álbum em Dezembro chamado McCartney III. Então em 1970 quando os Beatles estavam implodindo, Paul lançou seu primeiro álbum solo, McCartney, escrevendo, tocando e gravando tudo sozinho. Foi esta coleção crua e sem adornos de músicas que será vista como o primeiro álbum indie, estamos acostumados com álbuns feitos em casa e lo-fi de grandes artistas, mas este foi o primeiro com um dos maiores. Da mesma forma veio o McCartney II foi lançado uma década depois, em 1980, mais uma vez Paul escreveu, tocou e gravou tudo sozinho, desta vez usando os primeiros sintetizadores e ele, inadvertidamente, criou um álbum pop eletrônico de vanguarda muito influente. Agora McCartney III segue o mesmo padrão, é uma coleção de músicas escritas por Paul totalmente sozinho em seu próprio estúdio durante a quarentena, sem o lançamento em sua mente, gravado apenas pela alegria da música e mesmo sem nenhuma música sendo disponibilizada para o público, é outro registro espontâneo e muito desponjado e esta é a primeira vez que ele vai falar sobre isso. Como você está?

P: Eu estou bem e como você está Matt?

E: Estou bem, onde no mundo você está Paul? De onde estou falando com você?

P: Eu estou em Londres. Londinium, a famosa capital de Roma

E: É muito bom falar com você, quero dizer, isso é tudo bem inesperado, você não esta acostumado em fazer nada, não é? 

P: Hm, você sabe, eu tenho essas ideias e, eu não sei, elas me deixam ocupado

E: Na verdade eu devo perguntar, você já passou esse tempo na quarentena, longe dos olhos do público, desenvolvendo uma grande barba igual a do McCartney I porque é uma oportunidade de fazer isso já que várias pessoas fizeram

P: Não, eu não. O que eu faço é deixar crescer por algumas semanas e então eu fico farto com isso, dá um pouco de coceira, eu raspo e então vou para mais duas ou três semanas

E: Você esteve... Como sua quarentena tem sido, Paul?

P: Tem sido ok na verdade porque eu voltei de férias do começo do ano e então eu fui para a minha fazenda na zona rural e aconteceu de estar trancado com minha filha, Mary, e sua família e então isso significa meus 4 netos, então eu pensei que para muitas pessoas estarem passando mais tempo com suas famílias, era mais do que imaginavam, então, isso foi muito legal, eu podia ir ao trabalho porque a ideia era ir ao trabalho apenas se você não podia trabalhar em casa e eu tive que fazer um pouco de música no estúdio então, isso que me fez começar então eu fazia algumas gravações durante isso e então eu voltava no fim de tarde e ali estava Mary e a família, todos bem adoráveis.

E: Isso soa bem legal

P: Quero dizer, sabe, em fato isso não foi tão ruim e eu digo, eu estava meio que mal por dizer isso porque eu sei que muitas pessoas tiveram um momento horrível, mas o meu não era nada mau, de fato, eu passei bastante tempo com os netos e, isso foi legal.

E: Ok, olha. Este é o McCartney III, vamos fazer um pouco de contexto se está é, talvez, a terceira parte da trilogia então McCartney I em 1970 foi meio o começo do lo-fi diy, tocado e produzido tudo por você. Você sempre teve uma quedinha por este álbum?

P: Hm, sim. Ele aconteceu apenas porque eu estava passando mais tempo em casa porque de repente eu não estava mais nos Beatles, sabe, você é um pouco "pontas soltas" para dizer o mínimo. Mas eu tinha todas as minhas coisas tinha uma bateria, meu baixo, minha guitarra, um amplificador, então eu tive acesso a um gravador de 4 faixas da EMI, que é a mesma máquina que nós usamos com os Beatles. Eu realmente fui bem lo-fi real, pluguei o microfone direto na parte de trás, já que não tinha uma mesa de mixing e fiz música, foi isso.

E: Porque você disse que foi um tempo incrivelmente difícil para você e eu imagino que fazendo aquele álbum, sabe escrevendo, gravando e produzindo, fazendo ele bem cruo, dando a você lugar nenhum para se esconder, isso deve ter ajudado, deve ter sido um ótimo processo de ajudar a passar por isso 

P: Sim, eu acho que para mim, como para todos, música é uma boa coisa, uma ótima coisa. E realmente me ajudou a passar por aquele período

E: E agora é igual, também considerado um pouco de lo-fi classic, é visto como sendo o início disso do DIY ethos, aquele DIY que é som para bandas

P: Sim, é engraçado que o tempo empresta uma vantagem para todas essas coisas porque naquele tempo era, sabe, deveria ser apenas um monte de porcaria, apenas eu sozinho fazendo, apenas me satisfazendo, o que meio que era, mas eu gosto e eu pensei "tem algo aqui" e eu recebi mensagem de algumas pessoas dizendo "eu amei, é tão descontraído, apenas não dá a mínima". As pessoas tendem a meio que pensar melhor disso agora

E: Continuando com esse tipo de ideia de trilogia, qual era seu "espaço de cabeça" para ir ao McCartney II então porque meio que era o fim do Wings, eu acho

P: McCartney II era mais sobre eu recebendo a entrega de um sintetizador e eu nunca tinha bagunçado com um antes, então eu estava pegando vantagem de todas as coisas que você pode fazer com um e então a outra coisa era um sequenciador, de novo, foi algo que eu ouvi pessoas usando, mas eu nunca tive, mas isso é realmente o básico daquele álbum. Sabe, foi apenas eu meio que trancado, pareceu um pouco maluco as vezes, eu tenho que dizer que eu senti um pouco como um professor maluco trancado em seu laboratório por causa de uma faixa em particular, que se chama "Secret Friend". Tem apenas 8 minutos de duração e apenas aconteceu de continuar por 8 minutos sabe? Se você quer colocar um pouco de percursão nela, tipo chocalhos você apenas faz um pouco disso e então seu computador pode fazer isso 8 minutos, se você quer que continue, mas naqueles tempos eu estava em pé nesta pequena sala vazia fazendo (sons de chocalho) quando chega ao 1 minuto você fica "só mais 7 minutos"

E: Você acha que você trabalha diferente, se você está tipo gravando em um banheiro ou gravando na Abbey Road, você acha que aborda as coisas diferentemente?

P: Sim, eu acho que sim, eu acho que se você está sozinho você pode ter uma ideia e então bem rapidamente você pode tocar ou você pode apenas, enquanto você está com uma banda você meio que tem que explicar e eles tem que entender, você tem que entender como sente, as vezes isso é ótimo, não me entenda mal, obviamente ao vivo esse é o melhor, mas quando você está apenas criando sozinho você tem muito mais liberdade e é algo que eu sempre adorei fazer

E: Para este álbum, McCartney III, quero dizer, eu acho que é alguém que tipo gosta de todo o seu trabalho, tudo que você toca, tudo que você diz é meio que tão examinado para fazer algumas gravações e pensar "talvez, ninguém vá escutar isso", eu acho que isso é meio que uma alegria

P: Bom, isso é uma boa coisa sobre o álbum, eu não sabia que eu estava fazendo um álbum e isso realmente fez uma diferença porque eu entrei e disse eu tinha um pouco de música de filme, o cara estava fazendo um filme para mim, ele queria uma música de introdução e um pouco de música instrumental para os créditos e eu tive que ir pra lá e fazer isso, eu pensei "isso é ok, isso é sério, agora eu posso bangunçar"e pelas próximas 9 semanas eu estava apenas bagunçando, pensando "ah seria bom terminar essa aqui. Ah eu posso fazer essa aqui, isso seria bom" e passando por todas elas, eu nunca suspeitei por nenhum momento que isso seria um álbum

E: Tem algumas músicas de toda a loja, são varias músicas de vários pontos do tempo?

P: A grande maioria é coisa nova, tem uma ou duas que eu não tinha finalizado porque eu não tinha como ir ao estúdio e eu pensei "espera um minuto, que tal aquela lá? Vamos dar uma olhada nela" então, eu "coloquei para fora" e pensei "oh yeah" você tenta entender o que estava de errado, porque você não tinha gostado e em alguns casos é apenas por causa dos vocais ou as palavras ou algo que não funcionava então você coloca tudo para baixo e vai "ok, vamos fazer isso uma música completamente diferente" e quando eu finalizei todas e eu meio que olhei para tudo aquilo e fiquei "eu não sei o que vou fazer com elas, isso é um novo álbum ou algo do tipo?" e do nada me deu clique, isso é um McCartney III, você fez tudo sozinho como todo os outros, isso se qualifica como um McCartney III

E: Há tanta coisa que é textualmente tão legal lá. Tem tipo de música que voltam em diferentes batidas e quase falsos finais e coisas desse tipo, há uma verdadeira frouxidão nisso que é bem... soa muito bem, é um álbum sonoramente lindo porque realmente soa como algo bem bem diferente

P: Ah obrigado caro, obrigado por dizer isso

E: Até os vocais, é bem fácil nos dias de hoje fazer auto-tune nos vocais ou combinar vocais de diferentes bits, mas os vocais soam crus, eles realmente soam muito crus, não é?

P: Sim, obrigado. Eu estava tentando chegar em Bosch

E: Eu quis dizer de uma boa maneira

P: Eu sei. Eu não estava mirando em um lançamento adequado de álbum, eu estava apenas indo pensando "sim, está ok, está bom, está o suficiente" e acabou terminando sendo exatamente como é, sou eu não tentando muito, mas aceitar se divertir

E: Você acha que o que estamos passando afetou alguma das músicas? 

P: Eu acho que sim, tem algumas músicas novas. Uma delas se chama "Seize The Day", ela tem ecos da pandemia, aquela coisa, em dias frios nós desejamos que tenhamos aproveitado o dia, esse tipo de coisa, então isso foi meio que lembrando a mim e quem estiver ouvindo que é melhor pegar as coisas boas e tentar e passar por esta pandemia, mas certamente me ajudou

E: Como você achou esses últimos seis meses pessoalmente? Por que, quero dizer, porque eu achei bem difícil assistir o jornal, tem muita positividade por ai e muita esperança, mas tem muito medo e muita culpa. Como você achou isso? 

P: Eu sou como você, eu odiei. Sabe quando você liga as noticias e a história principal vai ser "quantas pessoas morreram", isso é deprimente depois de um tempo, mas sabe, na verdade o que me ajudou a superar foi muito disso, eu me lembro dos meus pais, minha mãe e meu pai, Jim e Mary, estavam na segunda guerra mundial, eles sobreviveram as bombas  e a perda das pessoas, esquerda, direita e centro e mesmo assim eles sairam disso com um espírito incrivel e nós crianças em Liverpool crescemos com esse incrível, sabe, vamos ter essa diversão, vamos ver rolarem os barris, com esse tipo de ótimo espírito de tempo de guerra que todas as pessoas tinham porque elas estavam fartas e eu fui criado no meio disso, então é tipo bom para recorrer a isso e pensar "bom, se eles conseguiram eu também consigo"

E: Tem esta coisa sobre você que você diz que música, fazer música cura, algumas vezes não é sobre o destino é a jornada, é sobre escrever e gravar, isso é o ponto, não necessariamente o final do single ou qualquer coisa 

P: Sabe, isso é verdade. Eu amo isso. Eu sempre digo as pessoas que eu faço por hobby, se eles me demitirem. Eu sempre tenho o meu violão acessível e é como um amigo sabe? Estou acostumado a conversar com vários guitarristas ou instrumentistas e isso é meio o que eles dizem, que é tipo uma relação com esse objeto inanimado e se torna bastante importante. No começo nós sempre costumavamos dizer, eu e John, que era meio como um psicólogo, se você está se sentindo meio pra baixo e para explodir você vai para algum lugar e começa a tocar e começa a colocar a cabeça nisso e se sente melhor, é bem importante.

E: Claro que o futuro de shows está bem incerto no momento, mas você pensou na possibilidade de que talvez você não possa tocar ao vivo novamente? Isso já passou por sua cabeça como um medo?

P: Sim, definitivamente sim. Quando eu olho para o último show que eu fiz, que foi no Dodgers Stadium em Los Angeles e tivemos uma boa noite, devo dizer que eu estava pensando meio "oh oh, e se este for o último show?", mas seria ótimo, não seria, apenas estar no meio de uma multidão e não se preocupar e apenas ser capaz de enlouquecer e ouvir uma banda ao vivo ou ser esta banda ao vivo. Eu estava imaginando isso em um outro dia, ao inves de fazer as músicas, você só estaria lpa em pé meio "Isso é ótimo, não é. Isso é incrível, vamos lá".Isso seria especial, eu devo dizer, então estou de dedos cruzados.  

E: Como está o filme "Let it Be "? Você já deu uma olhada no que Peter Jackson fez? Como está correndo?

P: Sim, eu vi, eu amei. Eu disse a ele quando ele iria vasculhar todas as filmagens, cerca de 56 horas ou algo assim, eu disse "oh Deus, vai ser chato" porque minha memória do filme, era que era uma época muito triste, e era um pouco pessimista, mas ele voltou para mim e disse "Não, estou olhando para isso", ele disse "É uma risada, são apenas vocês quatro caras trabalhando e dá para ver vocês fazerem músicas e George se perguntando sobre a letra de "something in the way she moves" ou eu tentando descobrir "Get Back", sabe? E ele me mostrando pequenos pedaços e isso é ótimo, eu amo isso, devo dizer porque é assim que foi. Isso só me lembra, mesmo que tivéssemos brigas, como qualquer família, nós nos amávamos, você sabe e isso aparece no filme. É um sentimento muito caloroso, e é incrível estar nos bastidores com essas pessoas, fazendo essa música que acabou sendo boa

E: Última pergunta: Nós teremos um McCartney IV em 2030? Porque você abriu um precedente agora

P: Eu não sei, eu acho que temos que esperar e ver


Comentários